quinta-feira, 30 de setembro de 2010

#c - Loki


A Balada do Louco
Loki – Arnaldo Baptista é um documentário biográfico dirigido por Paulo Henrique Fontenelle, lançado no Brasil em 2008. Trata-se da trajetória do artista Arnaldo Baptista desde a infância até o ressurgimento da banda Os Mutantes em 2006.
É um longa-metragem, baseado em entrevistas com integrantes da banda, músicos nacionais e internacionais, artistas e todos os tipos de pessoas que tiveram um relacionamento com Os Mutantes, entre eles, Lobão, Tom Zé, Kurt Cobain, Devandra Banhart e até a mãe do Arnaldo, Clarisse Leite.
O diretor propõe uma narrativa fluida, cronologicamente linear, pouquíssimo complexa, e em muitos momentos, extremamente carregada de emoção. Por se tratar de um filme linear, vamos analisa-lo também desta forma.
O “enredo”, se é que existe enredo quando trata-se de uma biografia, inicia-se mostrando brevemente a relação familiar entre Arnaldo, os irmãos e a mãe. Logo o diretor muda o foco para a relação entre a musica e Arnaldo Baptista, mais precisamente o Rock, e sua primeira banda, “O’Seis”, também passando muito brevemente por ai.
Em seguida, a narrativa dirige-se para a formação dos mutantes e a relação controversa de Arnaldo Baptista com Rita Lee, que é trabalhada de forma igualmente controversa durante o filme, como veremos ao longo deste texto.
De acordo com os depoimentos dos próprios integrantes originais da banda, a escolha de Rita Lee para o posto de cantora principal, veio depois de duas falhas; primeiramente Sueli que saiu para morar nos Estados Unidos, em seguida Mogui, e finalmente Rita Lee. Arnaldo relata que se apaixonou por ela, pois era bonita no lado visual (se parecia fisicamente com a cantora do Mamas and the Papas, Michelle Phillips), apesar de aceitável no lado musical.
Durante certo momento, o diretor parece desviar o foco do filme. No lugar de optar por depoimentos sobre Arnaldo Baptista, e o começo de sua atuação nos Mutantes, ele trata unicamente da trajetória do conjunto. Sem floreios narrativos, e lançando mão unicamente de depoimentos e “sobe-sons”, Paulo Henrique Fontenelle relata a introdução dos Mutantes na cena musical nacional, a influência da Tropicália na banda e vice-versa. O grupo era, de acordo com os entrevistados, “uma novidade, com uma capacidade incrível de criar coisas novas”. A temática da ditadura é abordada muito brevemente, e não ha como saber até que ponto o regime afetou ou influenciou a banda.
Depois de cair no gosto do publico brasileiro por sua irreverência e “musica diferente de tudo que vinha sendo feito”, Os mutantes passaram a fazer shows no exterior. Contudo, paralelamente com a descoberta e uso exagerado de drogas, e de acordo com o próprio Sérgio Dias, foi o começo do fim dos Mutantes.
O documentário ganha outro tom a partir de agora. O clima festivo e o oba-oba acabam dando lugar a panos de fundo psicodélicos e relatos mais pesados, mais graves. As entrevistas restringem-se agora aos integrantes da banda ou pessoas muito próximas, que realmente puderam acompanhar o momento. Paulo Henrique Fontenelle volta o foco da narrativa para o Arnaldo, e por meio de gravações da época, pode-se perceber que o líder dos Mutantes já estava muito afetado pelas drogas, ainda no início dos anos 70. A banda passa a tomar atitudes diferentes e deixa a alegria de lado para dar lugar à seriedade. O som se transfere para o psicodelismo e virtuosismo instrumentental. A novidade estava acabando; Os mutantes estavam se tornando uma banda de rock progressivo nos moldes internacionais.
Talvez por este motivo, talvez por outro, não se sabe ao certo, Rita Lee deixa a banda. Os integrantes relatam a tristeza sentida na época e, ao mesmo tempo, se eximem de qualquer culpa. Os depoimentos são claramente controversos, e mostram as diferentes visões sobre este momento de transição.
Decidem continuar sem ela e mantendo a tendência progressiva. O disco O A e o Z, é lançado, sem muita expressão, se comparado com o sucesso antes obtido pela formação original, sem a mutilação que foi a saída de Rita Lee.
O diretor conseguiu reunir imagens de arquivo que mostram o descolamento do Arnaldo com a realidade neste ponto da sua carreira. Em alguns momentos, mostra-se depoimentos da época, onde Arnaldo aparece falando coisas absurdas, demonstrando os danos que o uso de ácidos causaram em seu raciocínio.
Inevitavelmente, ele não tinha condições de continuar e se desliga dos Mutantes. Cada integrante segue com sua trajetória e Arnaldo se encontra em carreira solo.
O diretor escolhe alguns depoimentos muito emocionados, entre eles uma fala de Sérgio Dias, que pede desculpas por tê-lo abandonado e não ter compreendido na época o momento difícil e que o irmão vivia. Neste momento acontece a gravação do disco solo, Loki, de Arnaldo Baptista, que dá nome ao filme.
Ainda com depoimentos extremamente passionais, os integrantes do ex-Mutantes, não medem palavras para elogiar esta obra. O diretor colhe opiniões de críticos de música, que enaltecem o trabalho e seu teor autobiográfico, que trata da loucura e depressão, é, na verdade, segundo alguns, uma confissão.
O tom do documentário passa a ser cada vez mais passional. Os “sobe-sons” e a sequência de relatos emocionados elevam a figura do Arnaldo ao patamar de gênio incompreendido. Temas sensacionalistas como a separação da Rita Lee, ou a anedota absurda, onde Arnaldo vai até a Itália para convidar Dinho para uma viagem espacial, são relatados com objetivo de ressaltar o “mito” Arnaldo Baptista.
Completando a “construção do mito, o diretor leva o filme para a descrição psicológica do ex-mutante durante a sua decadência artística e pessoal. O que contribui para a formação de um clima de filme-tributo. Os objetivos de Paulo Henrique Fontenelle são claros: mostrar a degradação, para depois reelevar o “personagem principal”, e destacar sua “volta por cima”.
Arnaldo é internado em hospícios, por diversas vezes e no dia do réveillon, e aniversario da Rita Lee, que supostamente o teria internado, comete uma tentativa de suicídio. Salta do 4° andar.
Com sequelas, ele recomeça a vida, ainda muito debilitado, auxiliado por Lucinha, uma ex-fã, que o acompanha até hoje, desde então. Muda-se para Minas Gerais e vive um momento de semi-anonimato (como classifica Sérgio Dias).
A retomada artística é complicada, pois devido à queda, não tem mais condições de liderar uma banda. Mesmo assim ainda consegue gravar, com produção de John (Pato Fu), sua ultima obra solo, o disco Let it Bed.
Em seguida, continuando com a construção do mito e da ideia de “volta por cima”, o diretor relata o primeiro reencontro dos Mutantes depois de mais de 30 anos afastados, e o show no Barbican Theatre, em Londres. O foco, desta vez, não é Os Mutantes, mas a importância desta volta para o Arnaldo. Como isso foi importante para ele e como afetou-o psicologicamente.
Antes de finalizar, Paulo Henrique Fontenelle, utiliza alguns depoimentos extremamente enaltecedores, retomando um clima de vitimização e enaltecimento, como no depoimento de Sérgio Dias, quando Arnaldo é comparado a gênios históricos como Van Gogh e John Lenon.
Esse clima exagerado é completado por uma série de relatos de todos aqueles que foram entrevistados ao longo do filme, elevando ainda mais a imagem de gênio do musico.
A parte final da obra de Paulo Henrique Fontenelle, e a falta objetividade e isenção, em alguns momentos me pareceu uma tentativa de criar um imaginário que não existe. O enaltecimento do gênio e criação do mito, são artifícios sensacionalistas que transformam o documentário em filme póstumo, filmado antes da hora.
Apesar disso, trata-se de um reunião de imagens e relatos únicos, que sem duvida, foram muito bem organizados pelo diretor. É um filme de importância histórica sobre um personagem central da MPB.

Parizzi

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